14 de dez. de 2010

Todos Somos Necessários

O Discovery Kids, líder de audiência lá em casa, tem uma campanha voltada à ecologia, cujo bordão é o título acima. A música tema começa pela quadra: Sentado debaixo da mangueira, debaixo de uma enorme mangueira. Sentado eu parei para pensar...

O cachorrinho Doki, mascote do canal, faz reflexões ao observar a natureza lá debaixo da mangueira e conclui: todos somos necessários. O beija flor que poliniza as flores, o sapo que devora os insetos, as árvores que abrigam ninhos e outros bichos. Essa é a conclusão perfeita do equilíbrio ecológico: todas as espécies tem seu papel na dinâmica da vida e, portanto, são todas necessárias.

É claro que pensamos se um carapanã ou lacrau é realmente necessário. Minha filha tem sérias restrições quanto aquelas borboletonas noturnas, que lá em Minas chamamos de bruxas. Mas não somos nós quem iremos questionar a plenitude da natureza e a sabedoria do Criador.

Indo um pouco além nesse raciocínio, chegamos à conclusão, óbvia, de que o homem, ápice da cadeia evolutiva, também é necessário. Ser inteligente da criação, dotado da consciência de si e do livre arbítrio, ele é o animal cuja conduta mais impacta o ambiente. Por outro lado, é o único que pode, racionalmente, atuar de maneira sustentável para garantir a preservação e o equilíbrio.

Ocorre que, nem sempre, entendemos nosso semelhante como necessário. Muitas vezes, achamos que ele é mesmo descartável, e queremos nos livrar dele. E seguimos impiedosamente essa dinâmica nessa ecologia pouco fraterna e solidária.

Puxamos o tapete do nosso colega de trabalho, fingimos que não vemos o pedinte no sinal, não atendemos à porta quando surge o visitante inconveniente, vibramos quando o parente menos querido resolve não ir a nossa reunião familiar. Se dependesse de nossa vontade, esses indivíduos  sequer existiriam, e questionamos intimamente a presença deles em nossa vida.

E se já é difícil vê-los como necessários, imagine se lembramos dos pedófilos, assassinos, sequestradores e outros de ações infelizes e degradantes?

Nessas horas, somente a confiança na bondade divina e a esperança de dias melhores para poder transformar nosso olhar de condenação em entendimento, perdão, tolerância e indulgência.

Não somos todos filhos de Deus, criados a sua imagem e semelhança?

Não foi Jesus quem disse que o bom pastor cuida de todas as 100 ovelhas, deixando as 99 obedientes para ir atrás da única rebelde? E que todas as dracmas perdidas seriam encontradas? E que grande seria a alegria do Pai ao ver retornar a sua casa o filho pródigo?

Não temos o dever de dar cumprimento à lei do Amor, amando o próximo como a nós mesmos?

Todos somos necessários, para nosso Pai; se assim não fosse, sequer teríamos sido criados. Ou será que questionamos a sabedoria Dele?

22 de nov. de 2010

Isabella, minha filha

Em dezembro de 2000, eu e France já éramos amigos, mas eu desconhecia detalhes de sua vida pessoal. Naquele mês, o grupo de estudos da Doutrina Espírita do qual participávamos realizou um almoço de Natal, na residência de uma das dirigentes.

Era um domingo, e quando cheguei deparei-me com France e sua filhinha, a Isabella, à época com 1 ano e 3 meses. Linda, toda cacheadinha. Lembro de ter pensado, uai, eu nem sabia que a France era casada. Foi um pensamento típico de tradicional família mineira. E fiquei aguardando, naturalmente, que o pai da Bella chegasse ao encontro festivo a qualquer momento.

Ainda nesse dia, por uma circunstância qualquer, a Bella veio parar no meu colo. Ela já andava, mas estava desconfiada com a quantidade de pessoas presentes. E, por uma felicidade imensa, uma máquina fotográfica registrou esse momento. Tudo conspirava a nosso favor: foi a primeira vez que segurei minha filha nos braços.

O tempo passou, e minha relação com a France foi se tornando mais próxima. Já frequentava seu lar, e Bella começou a me chamar de tio. Em setembro de 2001 começamos a namorar, e os contatos com a Bella eram mais e mais frequentes. O tio aparecia tanto na sua casa que até o cachorro começou a balançar o rabo, amistoso.

No começo de 2003 nossa relação ficou mais séria. France havia saído de um emprego e resolvemos, todos, nos mudar para Belo Horizonte, a fim de que ela cursasse uma pós-graduação. Foi o começo de nossa vida em comum, e foi quando iniciei a convivência mais próxima com a Bella.

Inicialmente, ela não me chamava de pai, e nem era essa nossa intenção, minha e de France. Se as coisas acontecessem, que fosse de maneira natural, sem imposição artificial. Bella já tinha três anos, percebia bem as coisas, e me chamava de Martim. Era como ela via sua mãe me chamar, e repetia sempre.

Em BH, uma presença marcante foi Eduarda, filha de meu irmão. Seis meses mais velha que a Bella, adotou de imediato a postura de sua mestra e tutora. Começaram a competir em vários aspectos (eram as únicas netas da família, até então) e quando Isabella viu Eduarda chamando meu irmão de pai, não titubeou: começou, também, a me chamar assim. Se a Duda tinha um pai, ela também teria.

Recordo-me, com alegria, de uma semana em que precisei viajar a serviço. Fui na segunda e retornei na sexta e, antes mesmo de ir em casa, fui à escola apanhar a Bella. Quando nos avistamos, ela correu e, sem palavras, começou a me abraçar efusivamente. Abraçava, olhava para mim, abraçava de novo. Sem palavras, só sorrisos. E eu transbordava de lágrimas. Creio que a partir desse momento é que me tornei, mesmo, o pai dela.

Muitas e muitas coisas aconteceram. Voltamos para Manaus e France participou de um programa de treinamento da Petrobrás. Eles iriam realizar a obra do Gasoduto Coari-Manaus e queriam qualificar o pessoal daqui, ao invés de trazer profissionais de outros estados.

France participou, qualificou-se como inspetora de dutos e foi contratada por uma empresa terceirizada para atuar como uma das fiscais da obra. Beleza. O único porém é que o trabalho se dava em regime de embarque: 21 dias no mato, 21 em casa.

Admito que não foi fácil. Era muita saudade! Foram 3 anos de idas e vindas, 3 anos em que fui pai e mãe da Bella metade do tempo. Mas que já passaram, e trouxeram muito aprendizado para todos nós. E, muito importante, fortaleceram e consolidaram minha relação com a Bella.

Hoje, com a chegada do Pedro, eu percebi o quanto fazem falta os primeiros anos. Já até comentei algo aqui sobre isso. Mas posso dizer com o coração tranquilo que os laços do sentimento envolvem a mim e a Bella para sempre.

PS: Bella encontrou seu pai biológico em duas oportunidades. Ele vive no estado do Rio de Janeiro com a esposa e os quatro filhos. Por outro lado, temos uma relação maravilhosa com os avós paternos, tios e primos da Bella, os quais moram aqui em Manaus.

13 de nov. de 2010

Cuidado com a Língua Portuguesa

Recebi por email e adaptei para virar piada.

O presidente da companhia estava preocupado com um de seus diretores, o qual sempre se atrasava ao retornar do almoço às quartas feiras. Temendo que ele estivesse repassando informações para a concorrência, decidiu procurar uma agência de detetives para saber o que estava ocorrendo.

O dono da agência explicou como era o serviço: um dos agentes seguiria o diretor, anotaria tudo o que observasse e repassaria no final da tarde um relatório escrito. O presidente concordou e fechou o contrato.

Antes de ir embora, o dono advertiu:

"Nas quartas feiras tenho dois agentes disponíveis, João e José. Ambos são muito competentes; a diferença é que José domina melhor a língua portuguesa. Qual o senhor prefere?"

Surpreso com a pergunta, o presidente indagou qual era o mais jovem.

"João".

"Então é ele. Talvez tenha mais fôlego para seguir o sujeito."

Assim, na quarta seguinte o presidente recebeu um discreto envelope em sua sala. Dentro estava escrito:

"O diretor saiu para o almoço em seu carro, foi para sua casa e dormiu com sua esposa. Depois, acendeu um de seus charutos, fez carinho no seu cachorro e voltou para a empresa."

O presidente ficou aliviado com a notícia. A empresa estava em segurança. Mesmo sabendo que o atraso do diretor não era bem visto pelos demais funcionários, resolveu relevar a situação. Afinal de contas, era um excelente profissional. E todo mundo tinha direito a relaxar um pouco.

O tempo passou, e toda quarta feira vinha o relatório basicamente nos mesmos termos. Às vezes o diretor tomava um whisky ao invés de fumar um charuto, mas sempre dormia com a esposa e fazia carinho no cachorro.

Em certa quarta feira, o dono da agência telefonou para o presidente informando que, naquele dia, José faria o serviço, pois João estava doente. O presidente agradeceu e desligou.

No final da tarde, vem o relatório:

"O diretor saiu para o almoço em teu carro, foi para tua casa e dormiu com tua esposa. Depois, acendeu um de teus charutos, fez carinho no teu cachorro e voltou para a empresa."

23 de set. de 2010

Acontece

Há algum tempo eu uni os três blogs que mal e mal conduzia em um só, o ariramba.blogspot.com, o qual incorporou o Pai Distraído.

Mesmo tentando disfarçar um pouco, o Pai aqui continua pra lá de distraído.

Todas as madrugadas o Pedro mama. Começa a choramingar, às vezes chega a berrar. A babá eletrônica nos avisa e assim saciamos a fome do garotinho. Para adiantar as coisas, deixamos a mamadeira já com a medida de água, o leite em pó e o mucilon a postos. É só juntar tudo, chacoalhar e servir ao insaciável.

Nesta noite, Pedro iniciou suas reclamações. Levantei-me atabalhoado, caindo de sono. Preparei a mamada e servi, permanecendo de guarda ao lado do berço.

Notei que ele quase não mamou. Esforçou-se, mordeu o bico e deu-se por satisfeito. Assim, deixei a mamadeira na bancada, retornei ao quarto e resmunguei com minha esposa: "Ele não tomou quase nada".

Passado algum tempo, e já vencido mais uma vez pelo sono, tornei a ouvir as lamentações, agora mais fortes. Pensei, agora ele toma o resto. Levantei-me e servi a mamadeira.

Mais uma vez repetiu-se a cena: mordidas, caretas e nada do líquido sumir.

Intrigado, e sonolento, peguei a mamadeira e comecei a imaginar o que estava errado. Às vezes, colocávamos um bico inadequado, com um furo muito pequeno, e a criança tinha dificuldades para sorver o conteúdo. Aproximei a garrafa da luz para tentar visualizar o bico quando percebi o que estava errado.

A tampa da mamadeira estava lá, intacta. Poderia ela ser sugada por um aspirador que nenhum leite sairia.

Retirei assim a tampa e devolvi o petisco a seu dono. Em segundos o conteúdo foi engolido, e todos dormiram felizes para sempre, pelo menos até as 6 horas da manhã.

10 de ago. de 2010

Educar Pela Ação

Todos os pais concordam que orientar os filhos é uma das principais tarefas a desempenhar no exercício da paternidade. Destacar às crianças o que é correto, adequado, importante e sensato para uma vida mais harmônica e feliz.

Assim, quando o filho joga um papel no chão, no intuito de descartá-lo, os pais advertem que essa é uma atitude equivocada, que contrasta com a necessidade de um meio ambiente equilibrado e limpo.

No momento em que a criança retorna emburrada da escola por ter brigado com um colega, o conselho que normalmente recebe dos genitores é o da brandura e do entendimento, asseverando os pais que a concórdia e o perdão são instrumentos da paz interior.

Em outras ocasiões, quando a criança demonstra impaciência ou irritação ante uma dificuldade da vida, quase sempre os pais recomendam calma e confiança, de modo a pacificar o coração infantil.

Todas essas demonstrações são excelentes exemplos de orientação sadia para a vida. No entanto, cabe refletir que elas somente aconteceram a partir de um evento, de uma demanda, que fez surgir a necessidade de intervenção paterna.

Creio que isso é educar pela reação. Reagimos quando a criança apresenta alguma dificuldade, ou age de maneira inadequada, e daí mostramos o que, em nosso entender, seria a atitude correta. É claro, como dito acima, que se trata de uma forma de educar, mas que não deve ser a única.

Crianças não nascem sabendo das coisas. Precisam de alguém mais experimentado que lhes indique os caminhos, mas não apenas de forma reativa, quando surgem as dificuldades e as demonstrações indesejáveis de comportamento. Nós, os pais, deveríamos nos antecipar às situações através do diálogo franco e terno, explicando o mundo a nossos filhos.

No entanto, fazemos o oposto: agimos como se os pequenos já soubessem como se portar ante os desafios da existência, e como se não fosse nosso dever lhes mostrar como o mundo funciona e qual o papel de cada um. Valores como amor ao próximo, respeito ao semelhante, cidadania e responsabilidade devem fazer parte das conversas e interações cotidianas com nossos filhos e, repito, não simplesmente serem lembrados quando surge algum conflito.

Agir apenas pela reação pode não ser tão educativo assim. Se nosso filho realiza algo indevido, fazendo com que nós o corrijamos através de uma repreensão, por exemplo, os efeitos podem ser o contrário do que desejamos. Muito embora estejamos com a intenção de educar, nosso ato de reação pode gerar no pequeno um desconforto e uma revolta por ver seus interesses contrariados. Ele pode, assim, voltar a agir daquela maneira apenas para chamar a atenção ou mesmo para provocar a reação dos pais, ainda que tenha compreendido o conceito educacional apresentado.

De outra forma, quando orientado fora desse contexto corretivo, cremos que os efeitos pedagógicos do discurso paterno são mais eficazes e duradouros. Não há a crítica, a censura, a repreensão à conduta infantil. Há a narrativa de uma situação hipotética (lixo jogado ao chão, desrespeito às leis de trânsito, necessidade de higiene corporal, etc) e a apresentação, pelos pais, da conduta julgada sensata, correta, adequada.

Educar pela ação seria, assim, uma forma de orientar os filhos a partir da premissa de que é dever dos pais o fazerem independente da conduta dos pequenos. Isso traz como consequência óbvia o diálogo, firme porém carinhoso, e, acima de tudo, constante.

20 de jul. de 2010

Pedintes

As casas do conjunto em que residimos têm por característica comum um muro baixo na frente, com cerca de 1,20m, e grades. Com o passar do tempo, alguns moradores ergueram muros altos, mas a grande maioria das residências manteve a configuração original.

Dessa forma, quem passa pela rua consegue ver parcialmente o interior dos imóveis, em geral o pátio na frente e a garagem. Em nosso caso, se a porta da cozinha estiver aberta, um transeunte mais atento conseguirá enxergar até mesmo a mesa de refeições.

Tal característica faz com que seja bem difícil alguém se esconder de um visitante. Com o muro alto, o sujeito pode acionar a campainha, bater palmas, dar pancadas no portão; se o morador quiser se ocultar, fingir que não está em casa, basta ficar bem quietinho.

Em alguns momentos, confesso que ter a vida devassada a todo instante não é agradável. Às vezes apenas queremos um pouco de privacidade, e quando nos damos conta há alguém nos olhando e, quase sempre, pedindo algo.

Aqui em nossa rua, notamos que os pedintes - moradores de rua, principalmente - preferem as casas "visíveis", em que conseguem enxergar algo, pois de antemão já sabem se há alguém no interior, ou não, e assim aumentam as chances de serem bem sucedidos.

Costumamos sempre tratar com respeito e atenção esses companheiros. Normalmente, eles pedem gêneros alimentícios, roupas, calçados e, no caso de alguns pedintes, dinheiro vivo para 'pegar o ônibus', 'inteirar a passagem de barco para o interior', 'comprar um remédio', etc.

Preferimos não atender a essa última demanda. Visivelmente estão alcoolizados ou sob o efeito de entorpecentes e entendemos que dar o dinheiro pedido seria alimentar o vício e assim não ajudar de fato o semelhante.

Para eles, oferecermos algum alimento que possa ser consumido naquele instante, um sanduíche, um prato de comida. Alguns aceitam, outros esbravejam, há os que simplesmente dão as costas e seguem adiante. O mais importante, em qualquer dos casos, é conversar de maneira amistosa e firme, dando um pouco de atenção respeitosa, fazendo com que o pedinte se sinta merecedor dela.

Por mais que essa "invasão de privacidade" possa ser constrangedora, ela é salutar. Se nos isolamos dos problemas das ruas, mantendo grades, cercas, portões entre nós e os demais; se nos enfurnamos nos condomínios fechados, remunerando vigias, guardas e outros profissionais para nos manter a salvo do povo, corremos o risco de viver em um mundo irreal, e de nos mantermos em um clima constante de paranóia e perseguição.

Não estou querendo dizer que, com essa postura, devemos abrir as portas de nossa casa a quem quer que seja ou deixar de adotar medidas de proteção em nome do "amor ao próximo". Longe disso. Todos merecem viver em paz e segurança e, como Jesus aconselhou, sejamos "simples como as pombas e prudentes como as serpentes".

Eis o que penso: os pedintes que nos chegam todos os dias estão, em verdade, a nos lembrar de nossa condição humana falível, e do nosso grau de compromisso e responsabilidade com as mudanças sociais, tão necessárias. Se não temos o contato com esses corações, corremos o risco de achar ou que o mundo não presta, ou que tudo está bem e não preciso me preocupar com nada. Nada mais alienado do que essa última alternativa.

Concluo que nós precisamos mais dos pedintes do que eles de nós. O alimento que lhes oferecemos logo é devorado; a roupa velha que não usamos e é doada logo se esfarrapa; tudo mais se consome de imediato e em geral não fica sequer o registro, na memória desses pedintes, do escasso benefício que lhes proporcionamos.

No entanto, os instantes em que nos detivemos a ouvi-los com atenção; os pensamentos positivos que lhes endereçamos; a memória que acionamos naquele momento, tentando lembrar o que pode lhes ser doado, tudo isso representa o BEM a nosso favor, e irá pesar em nosso proveito na economia moral e espiritual do mundo.

Acima de tudo, eles nos mostram que o mundo precisa de conserto e que, se o pedido chegou até nós, algo há para fazermos.

4 de jul. de 2010

Encontro com um xará

Todos que escutam meu nome completo fazem uma cara de surpresa. A partir daí o script é quase sempre o mesmo:

 "Mas esse não é o nome do primeiro governador/colonizador/presidente do Brasil? Lá no meu bairro/cidade tem uma rua/praça/escola com esse nome!"

 "O primeiro colonizador. Chegou aqui em 1531 e fundou a Vila de São Vicente."

"Então o teu nome é uma coincidência?"

"Mais ou menos."

"Mas seus pais sabiam quem era Martim Afonso de Souza? Eles fizeram de propósito? Foi uma homenagem? É o nome de tua família mesmo?"

As variações sobre o tema são mínimas. Costumo disfarçar bem minha cara de enfado (devo responder essas perguntas há pelo menos 30 anos) e esclareço que meu nome foi uma coincidência consciente, como classifiquei a escolha de meus pais.

Meu avô materno se chamava Martinho. Já do lado paterno há uma bisavó Afonsina e um tio chamado Afonso. Meus pais, assim, fizeram uma mescla desses nomes, adaptando o Martinho para Martim. E o Souza é de família mesmo. E é claro que meus pais sabiam do personagem histórico.

Na quinta série isso foi até charmoso, pois meu nome circulava nos livros, aulas e provas. Imaginem, eu era assunto da conversa das meninas. E houve uma época em que pesquisei algumas coisas sobre esse xará da história. Cheguei a encontrar na Biblioteca do Senado um exemplar das memórias do português ilustre. Tirei cópias, mas acabei perdendo depois.

Com a internet, você descobre que não é único. Bastou uma consulta às listas telefônicas e descobri vários homônimos espalhados pelo Brasil. Resolvi então relaxar e continuar respondendo com educação a todos que perguntam se eu sou da família do português ou se sou a reencarnação dele. Perguntas que os xarás do Brasil também devem enfrentar todos os dias.

O tempo passou e certa vez recebi um telefonema de um escritório de advocacia. Cobravam um cheque sem fundo passado a uma sapataria aqui de Manaus. No princípio estranhei, pois o banco era o mesmo no qual mantinha conta. Enviaram-me um fax com a cópia do cheque e vi pelos dados que não era eu.

Quem diria, um xará morando aqui em Manaus. Esclareci a situação, enviando cópias de meus documentos, e esqueci do caso. Até que...

Levei meu celular para a assistência técnica. No dia marcado para entrega, cheguei à loja e entreguei o protocolo. O atendente disse para aguardar pois iriam me chamar pelo nome. Como a loja estava lotada, tomei assento imaginando que iria demorar um bom tempo para ser chamado.

E segundos depois o altofalante anunciava: "Martim Afonso de Souza!" Levantei-me feliz e cheguei ao balcão junto a um senhor negro. O atendente perguntou: "Sr. Martim?" e nós dois "Sim." Parecíamos Indiana Jones e seu pai respondendo "Sim" ao mesmo tempo à pergunta "Doutor Jones?"

Era meu xará, e era o celular dele que ficara pronto. No princípio ele duvidou do meu nome, e tive de mostrar um documento de identidade para provar que eu era eu e ele ao mesmo tempo. Ele ficou radiante e me mostrou também sua identidade, feliz da vida por encontrar alguém com o mesmo nome, ainda mais mineiro radicado em Manaus, como ele próprio.

Na hora eu até lembrei do episódio do cheque e pensei em comentar, mas desisti. Era um encontro festivo. Conversamos ainda por algum tempo, ele me contou da vida  em Manaus, fiz um resumo acanhado de minha história e nos despedimos. Foi uma coincidência e tanto, estarmos no mesmo dia no mesmo local.

Hoje estamos por aí, honrando o nome de nosso xará famoso e o nosso próprio nome também.

27 de jun. de 2010

Aprendendo a ser pai

O aspecto mais interessante da experiência da paternidade com o Pedro é ressignificar tudo o que eu achava ser correto enquanto pai da Bella. Como já dito em um post anterior, infelizmente nossos filhos mais velhos são cobaias, e acabam sendo balão de ensaio de nossas experiências.

Hoje eu percebo muitas das nuances de conviver com uma criança pequena, ausentes no meu relacionamento com a Bella. Por conta de nossas necessidades mútuas de aprendizado, passei a conviver com ela, de maneira mais intensa, quando ela tinha de três para quatro anos.

E lamento não ter compartilhado a primeira infância dela. Percebo com o Pedro como se formam laços invisíveis entre pais e filhos, ligações de cumplicidade, de confiança, de respeito e de entendimento.

Concluo que, se tivesse convivido com a Bella nessa época, seria hoje um pai mais compreensivo, menos rigoroso, mais amoroso. Teria mais recursos para entendê-la, suas reações, gostos, pendores e quereres.

Não dá para voltar atrás. Mas um exercício que tenho feito é o de enxergar o bebê dentro dela. Eu sei que fica complicado, ela está quase do tamanho da mãe, mas continua sendo uma criança. É meu bebezão, e é assim que lido com ela a partir de então. Com os dois, aprendo a ser pai.

15 de jun. de 2010

Lembranças de Copas

Bem, já que estou aqui de plantão durante o jogo Brasil e Coréia do Norte, relembro alguns fatos relativos a Copas passadas. Aliás, a todas as Copas de minhas lembranças.

Da Copa de 1978, na Argentina, não lembro nada.

Copa de 1982, Espanha, não lembro de ter visto nenhum jogo em particular, mas lembro da repercussão pela eliminação. Havia jogadores mineiros na Seleção (Cerezo, Éder Aleixo, Luisinho) e o próprio técnico era mineiro, Telê Santana. Lembro da tristeza e da revolta geral. Ah, e quando um jogador fazia um gol, a Globo mostrava a assinatura dele na tela, como um artista assinando sua obra.

Copa de 1986, México. Meu avô Martinho havia dado para cada neto uma vuvuzela (naquele tempo chamávamos apenas de corneta ou cornetão). Lembro que quase ninguém tinha força para tocar. No dia do jogo contra a França, quando fomos eliminados nos pênaltis, fui para a rua com o jogo ainda em andamento, para brincar com os vizinhos. Ninguém estava muito interessado. Depois meus tios ficaram reclamando que as cornetas tinham dado azar (pobre vovô).

Copa de 1990, Itália. Todo mundo xingando o Lazaroni e o Dunga. No dia da final (Alemanha e Argentina) estava em Itatiaiuçu, no sítio do tio Martinho Jr. Lá pelo segundo tempo (e o placar 0 a 0), a televisão fez "Puff" e queimou. Foram todos os assistentes escutar o final da partida no rádio de um dos automóveis. Assim, ninguém viu o gol do titulo da Alemanha ao vivo.

Copa de 1994, EUA. Mais uma final em Itatiaiuçu. Martinho Jr ficava falando antes das cobranças de pênalti: "Minha geração já viu três conquistas, tá na hora da geração de vocês ver pelo menos um campeonato". Os mais novos ficamos de joelhos e comemoramos muito quando Baggio errou a cobrança.

Copa de 1998, França. Era uma época muito festiva, pois estava me formando em Direito. Assisti alguns jogos com minha família e outros com os colegas. A final foi na casa de uma colega, e para falar a verdade não me lembro de muita coisa. Nesse tempo o álcool fazia parte de meus fins de semana.

Copa de 2002, Japão/Coréia. Já aqui em Manaus, a final foi numa manhã de domingo. Na hora do jogo, estávamos, eu e France, nas atividades da sopa da Fundação Allan Kardec. Os foguetes comemorando os gols interrompiam a palestra sobre o Evangelho, feita pelo José Alberto. Depois fomos entregar a sopa em uma cidade transbordando de alegria. Mais tarde, fomos a uma comemoração junina, com nossa turma de estudos da Doutrina. Foi quando se divulgou a notícia do desencarne do Chico Xavier.

Copa de 2006, Alemanha. Até bem pouco tempo atrás, não me lembrava de praticamente nada dessa Copa. Ficava me perguntando: "Quem era o técnico do Brasil?", ou "Qual time foi o campeão?" Só lembrava que não era o Brasil. Foi quando vi o filme oficial da copa no Sportv e lembrei do Parreira, da eliminação contra a França e da final vencida nos pênaltis pela Itália.

11 de jun. de 2010

O bem visível

No filme 'A Corrente do Bem' uma onda de solidariedade e gentileza se espalha por uma comunidade a partir do exemplo de bondade do garoto vivido por Haley Joel Osment, de 'O Sexto Sentido'.

A mensagem central do filme é a de que o bem recebido aqui deve ser devolvido mais adiante, sem se preocupar com quem é o novo recebedor. Forma-se assim uma corrente de atitudes positivas, reforçando o título original do filme, 'Pay It Forward', numa tradução capenga deste autor, 'Retribua mais na frente'.

Ontem, dentro do supermercado lotado, com nervos à flor de todas as peles, vi um exemplo de corrente do bem.

Não havia mais cestinhas disponíveis, daí um senhor de idade equilibrava várias caixinhas de creme de leite e embalagens de margarina nos braços, fazendo malabarismo para não derrubar tudo. Um casal de jovens à frente dele na fila ofereceu-lhe o lugar, certamente condoído pela situação.

O senhor sorriu e aceitou, passando à frente. O caixa atendia então uma senhora que havia colocado dezenas de latas de refrigerante no carrinho, todas soltas. Ela tirava uma por uma, pois uma das mãos segurava a bolsa. E a fila se impacientava cada vez mais.

Nesse instante, o senhor agraciado pelos jovens colocou os mantimentos que selecionara na esteira e passou a ajudar a companheira de fila, pegando as latinhas que teimavam em rolar para lá e para cá no fundo do carrinho. Foi uma operação demorada, mas que chegou a termo.

Na hora pensei: o segundo gesto de gentileza não existiria sem o primeiro. Tudo bem que a vontade de ir embora do supermercado naquela hora pode ter contribuído para a decisão do senhor, mas sua ajuda só se tornou possível a partir da bondade do casal.

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20 de mai. de 2010

Amor de Capim

Estava vendo TV e surgiu uma propaganda da Som Livre, anunciando um CD dos Aviões do Forró. De longe deu para ver minha cara torcida.

A primeira música anunciada tinha um nome bonito, feito capim. A vocalista começou a cantar, o amor é feito capim, a gente planta, ele cresce...

Fiquei surpreso, e até feliz, com a letra. Lembrei na hora de uma história infantil, o capim e o carvalho, que fala sobre a humildade. Sobre como um capim humilde, que se dobra ao vento, consegue enfrentar a tempestade, enquanto um carvalho orgulhoso é derrubado. Aqui no Amazonas essa história se chamaria "A Canarana e a Castanheira".

Estava enlevado com a lembrança e concordando que o amor, de fato, requer cuidados para nascer, crescer e se manter. E pensei, inocente, que a música falaria sobre isso.

Foi quando a vocalista completou o raciocínio:

"O amor é feito capim, a gente planta, ele cresce, aí vem uma vaca e acaba com tudo..."

Nem preciso contar de minha decepção. Mas, em se tratando de banda de forró, esperar o quê?!

E foi quando concluí: quem planta o amor como capim, que nasce de repente, cresce sem que a gente perceba, fica sujeito de fato às vacas do caminho. O amor, penso, deve ser plantado como uma árvore frondosa, que dá mais trabalho para cultivar mas dura muito mais tempo, é mais estável e resiste a qualquer tipo de herbívoro.

27 de abr. de 2010

Resposta de Chico

Pergunta: Poderia nos contar um fato ou uma passagem de sua vida que lhe traz melhores recordações e que mais lhe tocou o coração?


Resposta: Peço permissão para contar um caso que para mim foi um dos mais expressivos, que mais parece uma história infantil. Eu estava em Uberaba, há uns dois anos, esperando um ônibus para ir ao cartório. Da nossa residência até lá tem uns três quilômetros. Nós, com o horário marcado, não podíamos perder o ônibus. Mas, quando o ônibus estava quase parando, uma criança, de uns cinco anos, apresentando bastante penúria, gritava por mim, de longe. Chamava por Tio Chico, mas com muita ansiedade. O ônibus parou e eu pedi, então, ao motorista: "Pode tocar o ônibus, porque aquela criança vem correndo em minha direção e estou supondo que este menino esteja em grande necessidade de alguma providência." O ônibus seguiu, eu perdi, naturalmente, o horário. A criança chegou ao meu lado, arfando, respirando com muita dificuldade. Eu perguntei: "O que aconteceu, meu filho?" Ele respondeu: "Tio Chico, eu queria pedir ao senhor para me dar um beijo". Esse eu acho que foi um dos acontecimentos mais importantes de minha vida.

(Reportagem do jornal Estado de Minas, publicada em julho de 1980 e constante do livro Chico Xavier, Mandato de Amor)

9 de abr. de 2010

Pequeno Episódio Divino

Iniciamos esta manhã de sexta-feira com a informação de que nossa secretaria resolveria um problema particular e daí não viria trabalhar.

Levantamos, eu e Pedro, assim que minha esposa saiu para o trabalho. Comecei a organizar o dia mentalmente.

Fomos arrumar o café e percebi que o carrinho do Pedro fora embora com a France. Seria uma grande ausência, pois costumo colocar Pedro no carrinho enquanto faço outras tarefas. E neste dia teria várias, em virtude da ausência da secretária.

Comecei a pensar em alternativas para conciliar a atenção ao Pedro com os cuidados com a casa. Nisso, o tempo correu e fui acordar Bella para levá-la à aula de inglês.

Tomamos café e logo saímos, Pedro aboletado em sua cadeirinha automotiva. Deixei Bella na escola e aproveitei para abastecer o carro. Notei que Pedro estava silencioso.

Quando chegamos em casa, vi que ele havia adormecido. Estranhei, pois normalmente ele dorme perto da hora do almoço, e ainda eram 8 horas da manhã.

Coloquei-o no berço e resolvi aproveitar a folga para fazer as tarefas domésticas pendentes. Logo arrumei os quartos, lavei a louça do café e dei uma varrida em algumas partes da casa.

Mal havia guardado a vassoura quando escutei o choro. Parece que ele estava esperando eu terminar a arrumação da casa para então acordar.

Foi um cochilo providencial. Pude, então, dar-lhe atenção integral, uma vez concluídas as tarefas de rotina. E fiquei pensando nas mãos de Deus nesse episódio.

Normalmente, esperamos a intervenção divina em momentos extremos, de alta dramaticidade. E esperamos, ainda, que Deus se mostre de forma espetacular, fazendo materializar anjos, criando sinais luminosos gigantescos para nos mostrar o caminho.

E esquecemos que Deus está presente em todos os momentos de nossa vida, em especial nas pequenas ocorrências que passam despercebidas. O sono providencial da criança, uma música que toca na hora certa, uma pausa necessária nas atividades do dia a dia.

Você pode argumentar, com razão, que é mais fácil perceber a ação divina em nossas vidas quando tudo dá certo. Concordo inteiramente, foi o que ocorreu conosco hoje. Nosso grande desafio é perceber e admitir que todas as ocorrências de nossa vida, sem exceção, são expressões do amor de Deus a nós. Principalmente, aqueles acontecimentos que contrariam nossos interesses.

4 de abr. de 2010

Nova Geração

Virou parte do senso comum a afirmação de que "as crianças de hoje são mais avançadas do que nós".

Para justificar essa afirmação, costuma-se lembrar da facilidade com que as crianças dos nossos dias lidam com a tecnologia, os computadores, videogames e outros aparelhos eletrônicos.

Fala-se ainda que as crianças são mais inteligentes, aprendem as coisas com mais facilidade e rapidamente deixam seus pais, tios e avós obsoletos, quadrados, conservadores e ultrapassados. São, em resumo, a "nova geração", que está deixando a outra para trás.

Concordo parcialmente com essas ideias. Aliás, teria até motivos para aderir, com entusiasmo integral, aos que pensam daquela forma. O pequeno Pedro, no intervalo de uma semana, enviou dois torpedos via celular, incluindo uma foto em um deles. Ele tem um ano e um mês de idade.

De fato acredito que as crianças são mais avançadas do que nós. Partindo da realidade de que o progresso está sempre ocorrendo, é sensato e racional admitir que, da mesma forma como estamos vivendo em uma era mais avançada que nossos pais, o mundo em que nossos filhos viverão será mais moderno que o nosso.

Mas acho que há muito exagero na afirmação das qualidades da nova geração. As crianças são maquininhas de aprender: observam tudo com muita atenção e repetem, a seu modo, o que registraram.

O fato é que hoje, desde cedo, as crianças estão expostas à tecnologia e a uma infinidade de aparelhos e bugigangas eletrônicas. Conte a teu redor tudo o que tem pilhas e baterias e você se surpreenderá.

É normal, portanto, a criança estar inserida num ambiente "tecnológico", por assim dizer, muitíssimo diferente daquele no qual fomos criados e, mais ainda, daquele frequentado por nossos pais e avós.

Tínhamos, em casa, uma velha televisão em preto e branco, cujos parcos canais eram trocados no seletor de botão. Nosso telefone era cinza, pesadão, com o tradicional disco. Havia um toca-discos Philips, cuja maior inovação eram três faixas de sintonia; você podia sintonizar cada uma delas em uma estação diferente, e podia mudar quando quisesse apertando fortemente um botão. Era uma memória rudimentar, mas muito prática, pois evitava que você girasse o dial em busca de outra rádio preferida.

Nosso único brinquedo que usava pilhas era o Ferrorama. Quando as pilhas fraquejavam, eram colocadas no congelador, onde, acreditava-se, elas se recarregariam. Acho que não funcionava.
Quando nossa mãe comprou, após inúmeras prestações do Consórcio Nacional Sharp, um video-cassete, lembro que eu e meus irmão lidávamos sem dificuldade com o aparelho. Gravação, reprodução, dominávamos os comandos daquele controle remoto todo em inglês e com vários botões.
Já para minha mãe a tarefa era impossível. Ela simplesmente não conseguia manusear aquela nova geringonça, e tínhamos de interpretar e fazer as ações por ela.

Tudo por que éramos crianças, tínhamos por natureza uma pré-disposição para aprender, uma curiosidade própria do mundo infantil para descobrir como as coisas funcionam. Para minha mãe, um mistério insolúvel; para nós, um caminho a ser desvendado.

E hoje isso continua a acontecer. A diferença é que nossas crianças são expostas a um mundo mais rico de descobertas, e nós, como adultos, já começamos a nos acomodar em nossas preferências, evitando mudanças bruscas e riscos desnecessários. Tudo dentro da ordem natural das coisas.

Fomos a nova geração para nossos pais, nossos filhos serão a nossa, nossos netos a deles. A natureza não dá saltos. As crianças sempre aprenderão tudo, por nos observarem sempre, e atentamente.

Apenas para esclarecer: Pedro enviou os torpedos simplesmente por pegar o telefone celular e apertar continuamente as teclas, numa ordem aleatória que acabou por gerar as mensagens. Tudo isso porque nos observou, antes, fazendo a mesma coisa: teclando e teclando naquele aparelhinho que brilha e toca música.

15 de mar. de 2010

Os pais e as palmadas

Não é fácil ser pai.

Às vezes, a título de corrigir os filhos, chegamos a dar umas palmadas, beliscões, safanões, ou outros atos.

Mas isso é errado. Bastante errado.

Sem dúvida alguma, todos sabemos que é uma atitude equivocada. Não há desculpa plausível para justificar uma agressão. Se eu bater em alguém na rua, respondo perante a polícia, a justiça, etc. Por que dentro do lar isso seria tolerável?

Pode até resolver o problema na hora, passando a impressão de que a criança foi corrigida e aprendeu a lição; mas, de fato, a palmada apenas adia a solução da inquietude infantil e acarreta mais males.

Por outro lado, abrir mão de palmadas e outros recursos não significa dar total liberdade aos pequenos, deixando-os fazerem o que desejam; a criança precisa de limites, cujo estabelecimento por vezes pode até envolver energia por parte dos pais, mas não agressões.

Minha geração vive um conflito tremendo. Todos experimentamos na infância, em maior ou menor escala, palmadas, chicotadas, beliscões e outros castigos corporais.

Sem que nos demos conta, esse modo de enfrentar uma dificuldade está enraizado em nossa personalidade. Reproduzimos, muitas vezes de modo inconsciente, essa vivência herdada dos pais, partindo para uma agressão quando nossos filhos se portam de maneira errada, ou quando precisam de uma corrigenda.

Não é o caso de sair culpando nossos pais por isso. Eles o fizeram com os instrumentos relacionais que tinham às mãos. Aplicaram o castigo com a intenção de resolver o problema, não de criar um mais grave. Se erraram, foi por ignorância, não por maldade ou negligência.

Mas agora, somos nós os pais, e nosso aprendizado foi com base na peia. E agora? Será que é isso o que temos a oferecer a nossos filhos? Resolver um conflito com a ameaça de tirar o cinturão, pegar o chinelo, "esquentar o bumbum"?

Penso que temos de ser os agentes da mudança. Ao invés de replicar nossa vivência, oferecer uma melhor para nossa prole. Substituir uma atitude nociva, muito embora inspirada por uma intenção positiva, por uma postura fortalecedora da relação entre pais e filhos. Agredir é separar, desagregar.

Os filhos precisam dos pais para muitas coisas, principalmente para ensinar como lidar com as dificuldades. Desde o primeiro contato com seus pais, a criança sente que ali é o seu porto seguro, e desenvolve uma confiança infinita naquele par de adultos que os orienta, acolhe, protege e ama.

Uma agressão quebra essa relação de confiança. Após uma palmada, a criança experimenta um sentimento dúbio: ama e confia no pai, como seu instinto diz para fazer, mas teme outra pancada. A relação fica no fio da navalha.

Para o pai que agride, os efeitos são nefastos também, talvez até mais. A surra, a palmada, o beliscão, o tapa, depõem contra os deveres assumidos com a paternidade. Não apenas depõem, enfrentam, contrariam, são um paradoxo. O cuidador não cuida, o protetor não protege, o consolador não consola.

Sentindo-se culpado após uma agressão, o pai tenta compensar sendo liberal em demasia, dando presentes e enfraquecendo os limites de que a criança precisa.

Não é fácil ser pai, mas é preciso.
Estabelecer uma relação baseada na confiança mútua, no respeito, no amor. Conduzir o processo educativo dos filhos, fazendo-os despertar aos poucos para seus deveres e para o mundo. Criar laços indestrutíveis de afeto e apoio.

Tudo isso é possível sem agressão, ameaça, medo. A adesão de nossa vontade a esse programa é o primeiro passo.

Atualização em 5/4/10: Vejam a coluna de Ruth Aquino na revista Época, a respeito de violência paterna e a condenação do casal Nardoni. Muito interessante.

http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/1,,EMI130782-15230,00.html

26 de fev. de 2010

Cobaias

Temos de admitir: os primeiros filhos sofrem na nossa mão.

Inexperientes, mas com muita vontade de acertar, acabamos errando na dose muitas vezes. E eles pagam o pato. São verdadeiras cobaias.

Convidados uma vez mais à paternidade, repetimos as experiências e, com mais maturidade, podemos identificar onde nos equivocamos. E, dessa vez, fazemos diferente.

O complicado é que o filho mais velho percebe que nossas posturas estão diferentes. E nos questiona, até mesmo feliz por nos apanhar em contradição.

O que nos consola é que estamos sempre aprendendo. Erramos, mas com a intenção de decidir o melhor para nossos filhos.

Escolhas

O local preferido do Pedro aqui em casa é o corredor. Tem formato em L, e interliga os quartos, um banheiro e a sala. Ao ficar no chão, ele engatinha ligeiro para lá e fica admirando as portas.

O pai bobão adora interpretar a realidade. Fica pensando que, na idade da criança, nossa vida de fato é um corredor cheio de portas, prontas para serem abertas e desvendadas. São as escolhas que ele fará.

Adultos, já fechamos em definitivo algumas portas, atravessamos outras, colocamos um monte de entulho na frente de mais algumas. Nossas opções já diminuíram, mas ainda existem.

18 de fev. de 2010

Sempre Alerta

Não dá para descuidar na hora de criar os filhos. Qualquer vacilo pode ser fatal.

Minha filha realizava uma tarefa de Geografia, falando sobre atividades profissionais. A primeira parte era recortar, dos classificados do jornal, cinco anúncios de empregos.

Depois, ela tinha de classificar os anúncios de acordo com o tipo de atividade preponderante: intelectual, manual ou braçal.

Ela fez sozinha a primeira parte, limitei-me a mostrar no jornal onde ficam os classificados. Depois de escolhidos os anúncios, ela os recortou e colou no caderno.

Passamos assim à segunda parte. Ela ia lendo o anúncio e refletíamos juntos sobre qual era o tipo de atividade.

Tudo corria bem: açougueiro, manicure, office boy. Foi quando ela leu o anúncio seguinte, não revisado por esse pai distraído:

"Precisa-se de moças, maiores de idade, para casa noturna. Telefone XXXX-YYYY."

"E aí, pai, que tipo de atividade é essa: intelectual, manual ou braçal?"

16 de fev. de 2010

O pouco que vira muito

Comemoramos agora em fevereiro o primeiro ano do Pedro. Muito merecido.

Minha esposa teve uma ideia inspiradíssima: ao invés de presentes, solicitamos que os convidados trouxessem mantimentos para a Casa Vhida, uma instituição que auxilia crianças portadoras do vírus HIV, aqui em Manaus.

Fizemos então uma cartinha, adicionada ao convite, contando de nossa intenção. Havíamos entrado em contato antes com a Casa Vhida, para saber quais as maiores necessidades: Leite Ninho e Nestogeno nº2.

No dia da festa, ficamos surpresos. Todos os convidados trouxeram doações. Arrecadamos, no total, mais de 160 latas de leite e Nestogeno. Quase não coube no carro. :-)

Foi muito emocionante. Muitas pessoas nos disseram ter adorado a iniciativa; na verdade, em 2008 fomos a uma festa na qual se pediam doações de fraldas para o Lar Jannel Doyle, também em Manaus. A ideia ficou repercutindo na mente de minha esposa e tornou-se concreta agora.

Ao ver a montanha de latas aqui em casa, ficou em nós a indagação: quantos não desejam contribuir, ajudar, amar ao próximo, e precisam apenas de um "empurrãozinho"?

Lembrei do episódio da multiplicação dos pães e dos peixes. Para mim, essa passagem evangélica evoca a importância de doarmos de nós mesmos, de fazermos nossa parte.

No Evangelho, os discípulos se inquietam com a presença da multidão faminta. Jesus adverte: Dai-lhes vós de comer. E lhe foram apresentados cinco pães e dois peixes, tudo o que os discípulos possuíam.

E foi suficiente para alimentar a todos. Lição: nas mãos do Bem o pouco que ofertamos torna-se muito.

Pães, peixes ou leite, um pouco que cada um doou foi multiplicado pelo amor.