29 de jun. de 2009

Criança: argila nas mãos dos pais

Há algum tempo atrás, uma notícia divulgada nos meios de comunicação chocou diversas pessoas: a de que fora encontrada na Rússia uma menina de cinco anos vivendo como um pequeno animal em meio a cães e gatos.

Segundo se divulgou, ela vivia com o pai e os avós paternos em um apartamento, dividia a comida com animais ali viventes e comportava-se tal e qual eles, latindo e correndo pelo imóvel.

Nesse link, uma versão da notícia.

A criança é uma verdadeira argila: será aquilo que os pais fizerem dela. Ou, no caso dessa garotinha, aquilo que os pais deixaram de fazer.

Repare bem numa criança, no quanto ela é observadora. Parece estar sempre atenta a tudo, "filmando" todo o ambiente no qual está.

De maneira inconsciente, ela absorve os exemplos e comportamentos a que está submetida. Está em constante e ininterrupto aprendizado, coletando experiências com seus sentidos e "percebendo" tudo no espaço onde se movimenta.

Depois, ela irá colocar em prática esses modelos de conduta, reproduzindo-os a seu próprio modo.

A pequena russa, assim, ante o desleixo da própria família, fixou seu processo de aprendizado nas criaturas que lhe estavam mais próximas: os cães e gatos.

Sem possibilidade de fazer qualquer juízo de valor, ela simplesmente incorporou ao próprio viver o comportamento que lhe era mais habitual. Daí, o choque que a notícia nos trouxe.

Os pais são os principais professores dos filhos; na ausência deles, outros tomarão o lugar e influenciarão, de maneira decisiva, os rumos que nossas crianças irão tomar.

28 de jun. de 2009

O Descobridor

À medida que cresce, a criança vai se tornando senhora do organismo e passa a melhor comandá-lo.

O primeiro órgão que obedece a criança são os olhos. Ela passa a olhar para a luz, segue objetos em movimento, acompanha com o olhar quem está falando ou quem acabou de entrar no quarto.

Em seguida, ela descobre as mãos. Primeiro fica encarando, maravilhado, aquela pequena bolinha cheia de dedos. Daí manda o braço se mover e se surpreende, ao perceber que ela está na direção.

Daí em diante, manda a mão se encostar em tudo o que lhe chama a atenção. Nem sempre consegue dosar a força, mas aos poucos consegue controlar os movimentos.

Chega a hora dos dedos. Às vezes a criança quer abri-los, mas está tão empolgada e cheia de energia que, ao revés de sua vontade, faz com que eles permaneçam juntos à palma da mão, pressionando-a com força.

Mas, também com muita persistência, descobre o segredo de mantê-los abertos e começa a agarrar tudo, do cabelo da irmão ao brinco da mãe, passando por fraldas, brinquedos, o cinto de segurança do carro, o óculos da tia e os pelos do braço do pai.

Um dos momentos mais lindos que presenciamos do Pedro até agora foi quando uma mão agarrou a outra! Ele ficou se apalpando, olhando admirado para a interação entre os dedos. Apertava com força, como quem treina para agarrar o mundo.

Agora, ele descobriu que pode agarrar coisas e levá-las à boca. E, claro, descobriu que pode ficar chupando seus dedos, por vezes adormece com o polegar entre os lábios.

E, enquanto ele descobre o mundo, nós descobrimos que somos uns babões. Mas com muita alegria!

O Viajor

Sempre que o Pedro é levado para um ambiente aberto, ele instintivamente ergue os olhos e procura o céu.

A par da busca pela luminosidade, um grande fator de atração das crianças recém natas, tendo a entender o fenômeno como uma lembrança da origem mediata das crianças e, por extensão, de todos nós.

A crença que adoto informa sermos viajores da existência, a transitar entre os dois planos da vida atrás do progresso, da elevação, do aprendizado. Por este modo de entender a vida, Pedro é um viajor recém chegado até aqui.

Daí se explica essa constante busca pelo céu, como quem toma um trem e olha, saudoso mas cheio de esperança, para a estação de partida.

A artista Marielza Tiscate captou bem essa situação na música 'Olhar o Céu'.

É tão bom olhar o céu e ver a imensidão.
Ir no pensamento além, saber que a vida é muito, é sempre mais... é mais...
Herdeiro que tu és do infinito azul, pra sempre aprender, amar, servir...
Liberta o coração e voa pra amplidão com fé em Deus e as mãos na Terra.

Tantos choram sem saber que a vida não tem fim.
Abra os braços, solte a voz, declame esse poema de amor... de amor...
E o amor será maior, a esperança a luz e a Terra uma campina, um sonho em cor.
Liberta o coração, liberta o teu irmão e a Terra será livre, um lar, então.
Vais viver com alegria o infinito aqui
Vais viver com alegria o infinito aqui

Quem tiver interesse, pode baixar uma versão da música aqui.

12 de jun. de 2009

A Matemática

Há alguns anos, na inocência da juventude, eu acreditava piamente que, vencidos os desafios do ensino secundário, jamais voltaria a me dedicar à Matemática.

Sendo a disciplina colegial que mais esforço me exigia, acabei por criar uma antipatia por fórmulas, equações, teoremas e tudo o que dissesse respeito a essa ciência. A única coisa de que gostava era a geometria espacial.

Tanta era a prevenção que, ao completar a prova de matemática do vestibular em 1992, exultei, pois jurava que aquela seria a última oportunidade em que "faria continhas". Dali em diante, estudaria apenas aquilo que me desse prazer.

Dos enganos de minha vida, esse talvez tenha sido o mais patético. Não apenas porque estudei muitas coisas chatíssimas (como o indispensável Direito Econômico), mas principalmente porque agora, na condição de pai, tenho de ensinar Matemática à Bellinha...

A gente nunca sabe o dia de amanhã, e estou sendo gentilmente convidado pela Vida a aprender agora o que deixei passar naquela ocasião.

Antes de ser pai, eu já era distraído. :)

10 de jun. de 2009

Preconceito

Cada vez mais me convenço de que admiramos muito as máximas de Jesus, mas não temos coragem de torná-las uma realidade na nossa vida.

Já escutamos muitas e muitas vezes que não devemos julgar, para não sermos julgados, mas continuamos a medir o outro com a régua torta de nossos preconceitos.

Na semana passada, os impositivos profissionais me levaram a visitar uma residência na zona leste, a mais populosa, carente e violenta de nossa cidade. Fui entregar um documento a uma senhora.

Lá chegando, e encontrando o portão meio aberto, entrei, anunciei com quem gostaria de falar e permaneci no pátio aguardando.

Havia um grupo de jovens lá dentro, e não pude deixar de perceber que quase todos usavam tatuagens, tinham os cabelos descoloridos, vestiam apenas bermudas e chinelo, e ostentavam uma postura meio arrogante.

Levando em conta a região geográfica, logo uma ideia começou a se insinuar em minha mente: marginais..., ou galerosos, como se costuma chamar por aqui.

Encostei-me numa parede e aguardei a vinda da pessoa. De súbito, irrompe do fundo das casas um jovem com todas aquelas características, e carregando singelamente uma espingarda. Pequena, mas uma espingarda. Passou por mim e ganhou a rua.

Arregalei os olhos e encostei-me mais ainda no cantinho onde estava. O grupo de jovens logo seguiu o primeiro rapaz.

Aquela ideia inicial avançou um pouco mais. Então os marginais iam praticar algum ato de violência, um assalto, um ajuste de contas. Meu Deus! Aonde fomos parar!

Lembrei-me, então, da senhora que fora visitar. Será que ela sabia daquilo? Quem seriam aqueles jovens para ela? E aí a ideia inicial chegou ao seu ápice. Decerto ela sabia de tudo, pois eles haviam ido buscar a arma na casa dela. Era a mandante ou, no máximo, alguém conivente com o crime!

Estava lá com essas conjecturas (e os olhos quase saltando das órbitas) quando a senhora surgiu, esbaforida, dos fundos da casa. Já veio se desculpando pela demora.

"O senhor me perdoe a demora, mas tenho andado muito atarefada. Sou costureira, e os rapazes aqui do bairro participam do festival folclórico todos os anos. Este ano vamos fazer a dança do cangaço. Estou cansada de tanto trabalhar, mas acho que vai ficar tudo muito lindo!"

Asseguro que foi o sorriso mais amarelo que já sorri.