15 de dez. de 2009

Noite Feliz

Ventava. Os animais estavam recolhidos, e alguns aconchegavam-se uns aos outros, na tentativa de espantar o frio e conservar o calor naquela noite carregada de nuvens.

Apenas duas criaturas destoavam do grupo: o velho burro, sempre distante, e a ovelha malhada que, do meio do pátio, alongava o olhar para a porta da casa, sob cuja soleira a chama de uma candeia oscilava ao vento, frágil e vacilante.

Aqueles estavam sendo dias movimentados. Aquela casa humilde nunca vira tantos visitantes. Vindos de longe, chegavam cansados e suarentos e se acomodavam como podiam. Os bichos foram, então, desalojados do cubículo tradicionalmente ocupado na época do frio, dentro da casa, e dormiam no pequeno estábulo improvisado.

Além disso, trabalhavam dobrado. O burro perdeu a conta de quantas bilhas de água carregara no lombo naquele dia. As cabras eram ordenhadas assim que o sol surgia. Algumas ovelhas chegaram a ser novamente tosquiadas, para vestir e abrigar visitantes desavisados. E, por conta da grande bulha ao redor da casa, seus donos haviam se esquecido de alimentá-los naquele dia.

As demais ovelhas e carneiros baliram tristemente, mas, tímidos, juntaram-se uns aos outros para compartilhar o calor e adormeceram. O boi deixou o estábulo e aventurou-se nos pastos vizinhos, em busca de um capim improvável. O burro, resignado, sabia de experiência própria que um dia os visitantes retornariam a seus próprios lares e a vida voltaria a seu curso normal.

Somente a ovelha malhada mantinha a esperança de mastigar alguma coisa ainda, por isso a espera angustiosa pelos donos. A noite, porém, parecia ficar mais intensa, e logo a chama da candeia era o único foco de luz visível na escuridão. Mesmo assim, o pacífico animal, com o dorso encardido pela poeira vermelha daquelas paragens, continuava aguardando, expectante.

De súbito, um rumor despertou sua atenção. Um tropel suave, a denunciar que novos visitantes chegavam. Uma moça montada num burro, sendo conduzida pelo marido. A porta se abrira, e a claridade derramou-se pelo pátio.

Desapontado, o animal suspirou e retornou lentamente para o estábulo. Juntou-se aos demais, aninhando-se para dormir e esquecer a fome.

A porta permanecia aberta, enquanto o recém-chegado parlamentava com o dono da casa. A moça, cansada, apeou do burro e, para surpresa de todos os animais, dirigiu-se ao pequeno estábulo. Todos viram que ela estava grávida, e caminhava com dificuldade. Chegou e, com um olhar de ternura e paz, buscou um cantinho no monte de palhas, onde recostou-se, aliviada. Estava exausta, após dias na montaria incômoda.

O velho burro acercou-se do companheiro trabalhador e ambos também caminharam até o estábulo. O animal viajante ainda alongou os olhos para o cocho, vazio contudo. Mesmo assim, pareciam felizes por se encontrarem.

O homem, por fim, aproximou-se. Trazia água, pão e frutas secas, ofertados pelos donos da casa. A porta já estava fechada novamente. A moça aceitou apenas a água. Aconchegada no monte de palha, olhava para os céus, pensativa. Sem espaço para se deitar, o homem ajoelhou-se, velando pela jovem esposa.

Logo o silêncio voltou a reinar. O óleo na candeia findou, e a chama se apagou, fazendo toda a cena mergulhar na escuridão. O vento, cortante, parecia amainar, transformando-se aos poucos em brisa confortante. Os animais, inclusive os burros, dormiram.

A jovem adormeceu. O homem permanecia a seu lado, olhando-a com carinho. A gravidez a tornara ainda mais bela. A longa viagem tornara sua expressão cansada, mas também esperançosa. Enternecido, notou que do rosto dela parecia vir um brilho tênue. Olhou admirado para o céu. As nuvens haviam se dissipado, e uma luz diferente vinha do alto, banhando a todos com delicadeza e emoção.

Voltou-se para o rosto da esposa, cujos olhos abriram-se num repente. Chegara a hora!

* * *

A ovelha malhada foi a primeira a notar que algo estava diferente. A candeia fora trazida do alto da porta e, reabastecida, iluminava todo o estábulo. O casal de humanos havia forrado com palha a manjedoura vazia e a contemplavam, embevecidos.

Levantou-se, hesitante, e se aproximou, com cautela. Seria, enfim, o alimento? O homem e a mulher pareciam nem notar seus movimentos. Abeirando-se do cocho, espiou e viu um pequenino ser que dormitava, envolto em faixas. Com a pureza de seu coração autêntico, ali ficou a ovelha a fitar o menino.

Os animais foram, aos poucos, despertando e se aproximando, com reverência. Atraídos pela criança, puseram-se ao redor da manjedoura, e ali permaneceram, participando da noite feliz. E foi assim, aquecido pelo hálito dos animais, na palha singela da manjedoura humilde, que Jesus viveu sua primeira noite na Terra.