27 de abr. de 2010

Resposta de Chico

Pergunta: Poderia nos contar um fato ou uma passagem de sua vida que lhe traz melhores recordações e que mais lhe tocou o coração?


Resposta: Peço permissão para contar um caso que para mim foi um dos mais expressivos, que mais parece uma história infantil. Eu estava em Uberaba, há uns dois anos, esperando um ônibus para ir ao cartório. Da nossa residência até lá tem uns três quilômetros. Nós, com o horário marcado, não podíamos perder o ônibus. Mas, quando o ônibus estava quase parando, uma criança, de uns cinco anos, apresentando bastante penúria, gritava por mim, de longe. Chamava por Tio Chico, mas com muita ansiedade. O ônibus parou e eu pedi, então, ao motorista: "Pode tocar o ônibus, porque aquela criança vem correndo em minha direção e estou supondo que este menino esteja em grande necessidade de alguma providência." O ônibus seguiu, eu perdi, naturalmente, o horário. A criança chegou ao meu lado, arfando, respirando com muita dificuldade. Eu perguntei: "O que aconteceu, meu filho?" Ele respondeu: "Tio Chico, eu queria pedir ao senhor para me dar um beijo". Esse eu acho que foi um dos acontecimentos mais importantes de minha vida.

(Reportagem do jornal Estado de Minas, publicada em julho de 1980 e constante do livro Chico Xavier, Mandato de Amor)

9 de abr. de 2010

Pequeno Episódio Divino

Iniciamos esta manhã de sexta-feira com a informação de que nossa secretaria resolveria um problema particular e daí não viria trabalhar.

Levantamos, eu e Pedro, assim que minha esposa saiu para o trabalho. Comecei a organizar o dia mentalmente.

Fomos arrumar o café e percebi que o carrinho do Pedro fora embora com a France. Seria uma grande ausência, pois costumo colocar Pedro no carrinho enquanto faço outras tarefas. E neste dia teria várias, em virtude da ausência da secretária.

Comecei a pensar em alternativas para conciliar a atenção ao Pedro com os cuidados com a casa. Nisso, o tempo correu e fui acordar Bella para levá-la à aula de inglês.

Tomamos café e logo saímos, Pedro aboletado em sua cadeirinha automotiva. Deixei Bella na escola e aproveitei para abastecer o carro. Notei que Pedro estava silencioso.

Quando chegamos em casa, vi que ele havia adormecido. Estranhei, pois normalmente ele dorme perto da hora do almoço, e ainda eram 8 horas da manhã.

Coloquei-o no berço e resolvi aproveitar a folga para fazer as tarefas domésticas pendentes. Logo arrumei os quartos, lavei a louça do café e dei uma varrida em algumas partes da casa.

Mal havia guardado a vassoura quando escutei o choro. Parece que ele estava esperando eu terminar a arrumação da casa para então acordar.

Foi um cochilo providencial. Pude, então, dar-lhe atenção integral, uma vez concluídas as tarefas de rotina. E fiquei pensando nas mãos de Deus nesse episódio.

Normalmente, esperamos a intervenção divina em momentos extremos, de alta dramaticidade. E esperamos, ainda, que Deus se mostre de forma espetacular, fazendo materializar anjos, criando sinais luminosos gigantescos para nos mostrar o caminho.

E esquecemos que Deus está presente em todos os momentos de nossa vida, em especial nas pequenas ocorrências que passam despercebidas. O sono providencial da criança, uma música que toca na hora certa, uma pausa necessária nas atividades do dia a dia.

Você pode argumentar, com razão, que é mais fácil perceber a ação divina em nossas vidas quando tudo dá certo. Concordo inteiramente, foi o que ocorreu conosco hoje. Nosso grande desafio é perceber e admitir que todas as ocorrências de nossa vida, sem exceção, são expressões do amor de Deus a nós. Principalmente, aqueles acontecimentos que contrariam nossos interesses.

4 de abr. de 2010

Nova Geração

Virou parte do senso comum a afirmação de que "as crianças de hoje são mais avançadas do que nós".

Para justificar essa afirmação, costuma-se lembrar da facilidade com que as crianças dos nossos dias lidam com a tecnologia, os computadores, videogames e outros aparelhos eletrônicos.

Fala-se ainda que as crianças são mais inteligentes, aprendem as coisas com mais facilidade e rapidamente deixam seus pais, tios e avós obsoletos, quadrados, conservadores e ultrapassados. São, em resumo, a "nova geração", que está deixando a outra para trás.

Concordo parcialmente com essas ideias. Aliás, teria até motivos para aderir, com entusiasmo integral, aos que pensam daquela forma. O pequeno Pedro, no intervalo de uma semana, enviou dois torpedos via celular, incluindo uma foto em um deles. Ele tem um ano e um mês de idade.

De fato acredito que as crianças são mais avançadas do que nós. Partindo da realidade de que o progresso está sempre ocorrendo, é sensato e racional admitir que, da mesma forma como estamos vivendo em uma era mais avançada que nossos pais, o mundo em que nossos filhos viverão será mais moderno que o nosso.

Mas acho que há muito exagero na afirmação das qualidades da nova geração. As crianças são maquininhas de aprender: observam tudo com muita atenção e repetem, a seu modo, o que registraram.

O fato é que hoje, desde cedo, as crianças estão expostas à tecnologia e a uma infinidade de aparelhos e bugigangas eletrônicas. Conte a teu redor tudo o que tem pilhas e baterias e você se surpreenderá.

É normal, portanto, a criança estar inserida num ambiente "tecnológico", por assim dizer, muitíssimo diferente daquele no qual fomos criados e, mais ainda, daquele frequentado por nossos pais e avós.

Tínhamos, em casa, uma velha televisão em preto e branco, cujos parcos canais eram trocados no seletor de botão. Nosso telefone era cinza, pesadão, com o tradicional disco. Havia um toca-discos Philips, cuja maior inovação eram três faixas de sintonia; você podia sintonizar cada uma delas em uma estação diferente, e podia mudar quando quisesse apertando fortemente um botão. Era uma memória rudimentar, mas muito prática, pois evitava que você girasse o dial em busca de outra rádio preferida.

Nosso único brinquedo que usava pilhas era o Ferrorama. Quando as pilhas fraquejavam, eram colocadas no congelador, onde, acreditava-se, elas se recarregariam. Acho que não funcionava.
Quando nossa mãe comprou, após inúmeras prestações do Consórcio Nacional Sharp, um video-cassete, lembro que eu e meus irmão lidávamos sem dificuldade com o aparelho. Gravação, reprodução, dominávamos os comandos daquele controle remoto todo em inglês e com vários botões.
Já para minha mãe a tarefa era impossível. Ela simplesmente não conseguia manusear aquela nova geringonça, e tínhamos de interpretar e fazer as ações por ela.

Tudo por que éramos crianças, tínhamos por natureza uma pré-disposição para aprender, uma curiosidade própria do mundo infantil para descobrir como as coisas funcionam. Para minha mãe, um mistério insolúvel; para nós, um caminho a ser desvendado.

E hoje isso continua a acontecer. A diferença é que nossas crianças são expostas a um mundo mais rico de descobertas, e nós, como adultos, já começamos a nos acomodar em nossas preferências, evitando mudanças bruscas e riscos desnecessários. Tudo dentro da ordem natural das coisas.

Fomos a nova geração para nossos pais, nossos filhos serão a nossa, nossos netos a deles. A natureza não dá saltos. As crianças sempre aprenderão tudo, por nos observarem sempre, e atentamente.

Apenas para esclarecer: Pedro enviou os torpedos simplesmente por pegar o telefone celular e apertar continuamente as teclas, numa ordem aleatória que acabou por gerar as mensagens. Tudo isso porque nos observou, antes, fazendo a mesma coisa: teclando e teclando naquele aparelhinho que brilha e toca música.