15 de mar. de 2010

Os pais e as palmadas

Não é fácil ser pai.

Às vezes, a título de corrigir os filhos, chegamos a dar umas palmadas, beliscões, safanões, ou outros atos.

Mas isso é errado. Bastante errado.

Sem dúvida alguma, todos sabemos que é uma atitude equivocada. Não há desculpa plausível para justificar uma agressão. Se eu bater em alguém na rua, respondo perante a polícia, a justiça, etc. Por que dentro do lar isso seria tolerável?

Pode até resolver o problema na hora, passando a impressão de que a criança foi corrigida e aprendeu a lição; mas, de fato, a palmada apenas adia a solução da inquietude infantil e acarreta mais males.

Por outro lado, abrir mão de palmadas e outros recursos não significa dar total liberdade aos pequenos, deixando-os fazerem o que desejam; a criança precisa de limites, cujo estabelecimento por vezes pode até envolver energia por parte dos pais, mas não agressões.

Minha geração vive um conflito tremendo. Todos experimentamos na infância, em maior ou menor escala, palmadas, chicotadas, beliscões e outros castigos corporais.

Sem que nos demos conta, esse modo de enfrentar uma dificuldade está enraizado em nossa personalidade. Reproduzimos, muitas vezes de modo inconsciente, essa vivência herdada dos pais, partindo para uma agressão quando nossos filhos se portam de maneira errada, ou quando precisam de uma corrigenda.

Não é o caso de sair culpando nossos pais por isso. Eles o fizeram com os instrumentos relacionais que tinham às mãos. Aplicaram o castigo com a intenção de resolver o problema, não de criar um mais grave. Se erraram, foi por ignorância, não por maldade ou negligência.

Mas agora, somos nós os pais, e nosso aprendizado foi com base na peia. E agora? Será que é isso o que temos a oferecer a nossos filhos? Resolver um conflito com a ameaça de tirar o cinturão, pegar o chinelo, "esquentar o bumbum"?

Penso que temos de ser os agentes da mudança. Ao invés de replicar nossa vivência, oferecer uma melhor para nossa prole. Substituir uma atitude nociva, muito embora inspirada por uma intenção positiva, por uma postura fortalecedora da relação entre pais e filhos. Agredir é separar, desagregar.

Os filhos precisam dos pais para muitas coisas, principalmente para ensinar como lidar com as dificuldades. Desde o primeiro contato com seus pais, a criança sente que ali é o seu porto seguro, e desenvolve uma confiança infinita naquele par de adultos que os orienta, acolhe, protege e ama.

Uma agressão quebra essa relação de confiança. Após uma palmada, a criança experimenta um sentimento dúbio: ama e confia no pai, como seu instinto diz para fazer, mas teme outra pancada. A relação fica no fio da navalha.

Para o pai que agride, os efeitos são nefastos também, talvez até mais. A surra, a palmada, o beliscão, o tapa, depõem contra os deveres assumidos com a paternidade. Não apenas depõem, enfrentam, contrariam, são um paradoxo. O cuidador não cuida, o protetor não protege, o consolador não consola.

Sentindo-se culpado após uma agressão, o pai tenta compensar sendo liberal em demasia, dando presentes e enfraquecendo os limites de que a criança precisa.

Não é fácil ser pai, mas é preciso.
Estabelecer uma relação baseada na confiança mútua, no respeito, no amor. Conduzir o processo educativo dos filhos, fazendo-os despertar aos poucos para seus deveres e para o mundo. Criar laços indestrutíveis de afeto e apoio.

Tudo isso é possível sem agressão, ameaça, medo. A adesão de nossa vontade a esse programa é o primeiro passo.

Atualização em 5/4/10: Vejam a coluna de Ruth Aquino na revista Época, a respeito de violência paterna e a condenação do casal Nardoni. Muito interessante.

http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/1,,EMI130782-15230,00.html