4 de jul. de 2010

Encontro com um xará

Todos que escutam meu nome completo fazem uma cara de surpresa. A partir daí o script é quase sempre o mesmo:

 "Mas esse não é o nome do primeiro governador/colonizador/presidente do Brasil? Lá no meu bairro/cidade tem uma rua/praça/escola com esse nome!"

 "O primeiro colonizador. Chegou aqui em 1531 e fundou a Vila de São Vicente."

"Então o teu nome é uma coincidência?"

"Mais ou menos."

"Mas seus pais sabiam quem era Martim Afonso de Souza? Eles fizeram de propósito? Foi uma homenagem? É o nome de tua família mesmo?"

As variações sobre o tema são mínimas. Costumo disfarçar bem minha cara de enfado (devo responder essas perguntas há pelo menos 30 anos) e esclareço que meu nome foi uma coincidência consciente, como classifiquei a escolha de meus pais.

Meu avô materno se chamava Martinho. Já do lado paterno há uma bisavó Afonsina e um tio chamado Afonso. Meus pais, assim, fizeram uma mescla desses nomes, adaptando o Martinho para Martim. E o Souza é de família mesmo. E é claro que meus pais sabiam do personagem histórico.

Na quinta série isso foi até charmoso, pois meu nome circulava nos livros, aulas e provas. Imaginem, eu era assunto da conversa das meninas. E houve uma época em que pesquisei algumas coisas sobre esse xará da história. Cheguei a encontrar na Biblioteca do Senado um exemplar das memórias do português ilustre. Tirei cópias, mas acabei perdendo depois.

Com a internet, você descobre que não é único. Bastou uma consulta às listas telefônicas e descobri vários homônimos espalhados pelo Brasil. Resolvi então relaxar e continuar respondendo com educação a todos que perguntam se eu sou da família do português ou se sou a reencarnação dele. Perguntas que os xarás do Brasil também devem enfrentar todos os dias.

O tempo passou e certa vez recebi um telefonema de um escritório de advocacia. Cobravam um cheque sem fundo passado a uma sapataria aqui de Manaus. No princípio estranhei, pois o banco era o mesmo no qual mantinha conta. Enviaram-me um fax com a cópia do cheque e vi pelos dados que não era eu.

Quem diria, um xará morando aqui em Manaus. Esclareci a situação, enviando cópias de meus documentos, e esqueci do caso. Até que...

Levei meu celular para a assistência técnica. No dia marcado para entrega, cheguei à loja e entreguei o protocolo. O atendente disse para aguardar pois iriam me chamar pelo nome. Como a loja estava lotada, tomei assento imaginando que iria demorar um bom tempo para ser chamado.

E segundos depois o altofalante anunciava: "Martim Afonso de Souza!" Levantei-me feliz e cheguei ao balcão junto a um senhor negro. O atendente perguntou: "Sr. Martim?" e nós dois "Sim." Parecíamos Indiana Jones e seu pai respondendo "Sim" ao mesmo tempo à pergunta "Doutor Jones?"

Era meu xará, e era o celular dele que ficara pronto. No princípio ele duvidou do meu nome, e tive de mostrar um documento de identidade para provar que eu era eu e ele ao mesmo tempo. Ele ficou radiante e me mostrou também sua identidade, feliz da vida por encontrar alguém com o mesmo nome, ainda mais mineiro radicado em Manaus, como ele próprio.

Na hora eu até lembrei do episódio do cheque e pensei em comentar, mas desisti. Era um encontro festivo. Conversamos ainda por algum tempo, ele me contou da vida  em Manaus, fiz um resumo acanhado de minha história e nos despedimos. Foi uma coincidência e tanto, estarmos no mesmo dia no mesmo local.

Hoje estamos por aí, honrando o nome de nosso xará famoso e o nosso próprio nome também.

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