23 de set. de 2013

Missão - SAI

Semana passada cumpri uma missão em Santo Antônio do Içá - SAI - cidade localizada na região do Alto Solimões.

O primeiro aspecto interessante dessa viagem é que ela seria desnecessária de existisse uma estrutura mínima de comunicação no interior amazonense. O fato é que existe um rapaz preso em SAI, e ele responde, também, a um processo na justiça militar. Precisávamos, apenas, que ele fosse intimado de uma decisão - é um direito seu por se encontrar preso.

Tentamos, por dois dias, um contato com o cartório local. Sem sucesso. Não há telefone instalado, e o que consta no sítio do Tribunal de Justiça na verdade toca no cartório eleitoral. Os servidores alegam que o cartório da justiça estadual fica em outro imóvel. Deixamos recado, e nada.

Como se tratava de um assunto urgente, decidiu-se que eu iria até lá intimar o preso. E precisamos montar uma logística, combinando horários de voos e de partidas de embarcações.

Assim, na quinta feira fui de avião até Tabatinga. Na manhã de sexta, tomei uma lancha rápida até SAI. Saímos às dez horas da manhã e chegamos 17h00, com paradas em Benjamin Constant, São Paulo de Olivença e Amaturá.

Cheguei e fui direto à delegacia. Trata-se, na verdade, de um distrito policial, pois compreende tanto a polícia civil quanto a militar. Quando cheguei, o imóvel estava fechado, e algumas pessoas estavam na garagem. Perguntei pelos policiais e fui informado que logo estariam ali.

Conversando com os rapazes, perguntei se eles trabalhavam ali. Eles riram e disseram que, na verdade, eram os presos do semi aberto e estavam ali para dormir.

Continuei a conversa e fiquei pasmo. São eles quem fazem os serviços gerais na delegacia: faxina, cozinha, manutenção. Enquanto isso, os presos do regime fechado estavam lá dentro. Se houvesse um desastre, as chaves estavam com os policiais...

Contaram várias histórias. Que o juiz não liga a mínima para eles. Que vai de vez em quando à cidade (pois responde também por várias comarcas da região) e sempre dá uma desculpa para não soltar ninguém. Que está preso há 3 anos um rapaz acusado de furtar duas latas de tinta acrílica. Ainda sem denúncia e sem processo. Que os advogados da cidade só vão até eles pedir dinheiro e nunca fazem nada. Que não há defensoria.

E mais, que a cidade só conta com um delegado, um cabo da PM e um soldado. O delegado estava em Tabatinga, fazendo um curso. E que os PMs quase nada podiam fazer, apenas registravam a ocorrência, quando os interessados procuravam a delegacia.

Um dos presos relatou que, certa vez, o cabo da PM o chamou para acompanhar uma ocorrência de briga. Chegando ao local, o PM se atracou com um dos contendores, o que acabou derrubando sua arma. Um dos presentes sutilmente guardou a arma, e se o preso não alertasse o PM quanto a isso, teria sido perdido o armamento.

Afirmaram o óbvio: que todos os presos ali se encontravam por vontade própria, pois se quisessem fugir já o teriam feito há muito tempo.

A conversa estava muito animada, e os PMs chegaram. Entrei, intimei o rapaz (que relatou outras histórias surreais) e retornei, no dia seguinte, em outro lancha a Tabatinga.

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